Sobre pausas e aprendizados…
Confesso que sempre tive preconceito com pessoas que tiram “anos sabáticos”, aqueles períodos longos de introspecção. Tem gente que faz retiro, tem gente que viaja e tem gente que simplesmente pára de trabalhar ou estudar por um tempo. Eu sempre achei que tirar “ano sabático” era coisa de quem não precisava trabalhar. E eu sempre precisei, sempre gostei e sempre fui feliz assim. Mas a vida às vezes vai nos levando por caminhos que, teimosos, parecem justamente querer nos contradizer e provar que estamos errados. E assim foi comigo.
Para uma mulher, pedir demissão aos 47 anos significa encerrar
Meu marido foi transferido pela empresa em que trabalha para outra cidade e outro estado. Num lugar onde não conhecíamos nada, nem ninguém. Em três meses desmontamos nossa casa para vendê-la e guardamos metade das nossas coisas num depósito. A outra foi encaixotada pra ir embora com a gente. Pedi demissão do meu emprego e, com isso, encerrei uma trajetória de 25 anos como jornalista de rádio e televisão (sim, para uma mulher, pedir demissão de uma TV aos 47 anos num mercado pequeno como o nosso significa encerrar…) . Decidimos que eu não trabalharia na nova cidade, pelo menos num primeiro momento. Tínhamos muito a adaptar: filhos, cachorro, a família que ficou pra trás… e nós mesmos, afinal meu marido e eu havíamos nascido e morado a vida toda em Porto Alegre e lá tínhamos nossas carreiras, nossos amigos, nossas famílias, enfim, nossa vida!
Janeiro de 2018 começava e com ele uma nova vida para nós. No oitavo dia do novo ano aterrissamos em São Jose do Rio Preto, interior paulista, com um menino de 9 anos, um de 15, um cachorro, dezenas de caixas, muita expectativa e um certo medo. Sabíamos que não seria fácil. Nem pra ele – um executivo tendo que chegar numa “praça” nova e já dar resultados, em uma cidade onde não conhecia ninguém e em meio a uma crise econômica. E nem pra mim, acostumada a trabalhar ininterruptamente desde que saí da faculdade há mais de duas décadas. E um trabalho cansativo – o de jornalista – sem feriados nem finais de semana. Confesso que eu tinha medo de não aguentar essa falta de trabalho, de objetivos, de tarefas e de horas a cumprir. Tinha medo de pirar.
E eu? Eu resolvi aprender com essa parada. Literalmente
Mas encaramos. Meu marido, eu e meus dois meninos que deixaram pra trás os amigos queridos e uma escola da vida inteira. Foram os primeiros a fazer amigos. Se deram bem na escola. Conquistaram os colegas e estão levando a vida por aqui felizes e bem adaptados. Meu marido, apesar da saudade da família que ficou pra trás, comemora o novo trabalho, os bons resultados e a mudança de patamar que essa transferência lhe deu.
E eu? Eu resolvi aprender com essa parada. Literalmente. Depois de arrumar tudo, adaptar as crianças na escola e na nova vida, e de absorver tudo o que vem junto com uma mudança de estado e de cidade, decidi adaptar a mim mesma. Com calma. Resolvi aproveitar essa possibilidade de pausa que a vida estava me dando. E decidi aprender. Aprender coisas que eu queria muito e nunca pude por falta de tempo…
Entre organizar a casa, levar os filhos pra lá e pra cá e fazer as tarefas domésticas, eu me matriculei num curso de inglês. Voltei a estudar francês. Retomei minha yoga e meditação. E me inscrevi num curso de gastronomia. De 1 ano e 8 meses. Profissionalizante de chef de cozinha. Eu queria começar do zero! Voltei a ler. E a escrever – inclusive cartas… Sem pressa. Sem compromisso. Desafiando o maldito sentimento que nós, mulheres, insistimos em ter com nós mesmas: a culpa. Culpa de não ser produtiva, de não ajudar nas despesas, de não ter horários rígidos. E medo. Medo de ficar desatualizada, de me tornar desinteressante, de me sentir vazia, das pessoas não gostarem mais de mim. Medo de estagnar…
Aprendi nestes 10 meses mais do que em 20 anos de trabalho
Hoje estou completando 48 anos de idade e exatos 300 dias dessa aventura. Deste meu “ano sabático”. Deste meu ano parada, que de parado não teve nada. Não é fácil chegar numa cidade onde não conhecemos ninguém, onde nao temos nenhuma referência. Ninguém pra pedir uma dica, o nome de um médico… Não e fácil acordar pela manhã e se ver sem nenhum compromisso profissional. Sem dúvida foi um desafio grande o que vivi. Mas posso dizer que, como pessoa, aprendi nestes 10 meses mais do que em 20 anos de trabalho. Tive muitas lições de vida. Algumas bem doloridas, como a perda do Buzz, nosso cachorro. Ou a cirurgia no joelho que meu filho Antônio precisou fazer aqui, às pressas. Mas teve cada supresa boa! Amigas que vieram me ver e que falam comigo a toda hora – até mais do que quando morávamos na mesma cidade. Pessoas que conheci aqui e que me acolheram de coração aberto. Vizinhas que me ajudam espontânea e generosamente. Lugares novos, hábitos novos e um jeito diferente de pensar as coisas. Ideias novas.
Aprendi a ler menos notícias e mais ficção
Aprendi a ficar mais sozinha e ser feliz assim. E, ao mesmo tempo, fiquei mais unida do que nunca ao meu marido e meus meninos. Aprendi a engolir a saudade e a distância dos meus pais. Aprendi a me divertir com minhas amigas por Whats App. Aprendi a valorizar cada aceno ou palavra enviada pra mim com carinho pelas redes sociais – e ainda bem são muitas! Aprendi a criticar menos e elogiar mais. Aprendi a ler menos notícias e mais ficção. Aprendi que perder horas na cozinha pode dar um prazer semelhante ao que sentia fazendo uma boa entrevista. Que passar uma tarde inteira sem fazer nada pode ser muito bom. Que levar meus filhos à escola cansa, mas tem seu valor. Aprendi que estudar com meu caçula é uma delícia e o deixa feliz! Que receber meu marido com um chimarrão ou um drinque e conversar sem pressa só nos fortalece. Aprendi que cada perda e dificuldade tem algo a nos ensinar. É preciso aceitar isso e ficar atento. Aprendi a ser mais tolerante. Comigo e com os outros. A ter mais paciência e entender que as coisas não dependem da gente. Nada depende da gente. O que tiver de acontecer, vai acontecer. E se estivermos em paz e nos deixarmos levar pelos acontecimentos, a vida fluirá e pode nos surpreender.
Coragem! Há tantos novos caminhos a seguir, tantas coisas a aprender
Assim eu fiz. E a vida me surpreendeu! Quando eu menos esperava recebi uma oferta de emprego. E este trabalho tem tudo a ver com essa nova fase, esse meu novo momento. Voltarei a fazer jornalismo. Mas como não sou mais a mesma, meu jornalismo também não será o mesmo. Fecho este “quase ano sabático” transformada. Mais leve, menos exigente comigo mesma e com os outros. Sem pressa. Me permitindo não querer e não fazer. Respirando melhor. Olhando as pessoas com outros olhos. E principalmente, olhando pra dentro de mim. Entendendo meus limites, minhas incoerências. E aceitando meus dois lados: a emoção é tão importante quanto a razão! Mas a grande lição é que parar faz bem! Parar faz pensar. Parar faz a gente rever nossos caminhos, repensar nossas atitudes e avaliar se estamos realmente felizes. Se é assim que queremos continuar. Se for, beleza! Se não for, dá pra mudar! Coragem! Há tantos novos caminhos a seguir, tantas coisas a aprender. Tanto a dividir com os outros! E isso é tão bom!
Obrigada por parar um pouquinho pra que eu pudesse dividir tudo isso com você.
Valesca de Assus
3 de novembro de 2018 @ 06:52
Muito bonito e verdadeiro!
Lúcia Mattos
7 de novembro de 2018 @ 23:59
Criei coragem de dividir meu “ano sabático” e tantos comentários positivos me trouxeram a certeza de que nós mulheres passamos por tantas dúvidas e inseguranças que, se dividirmos isso uma com as outras, o mundo certamente será melhor. Beijos
Corina Breton
3 de novembro de 2018 @ 23:17
Lucinha, em que mulher/ser humano/ profissional/ filha/ mãe /esposa/amiga, resultaste. Tudo sem perder a meninice, a brejeirice, a meiguice, a faceirice daquela criança que eu adorava receber em minha casa, com tua mãe, a doce Valesca e, com quem , era uma delícia briincar, de quem já se percebia a inteligência, a curiosidade , a generosidade, a vivacidade. Uma bonequinha linda à época , uma linda mulher hoje.
Escreveste um texto corajoso e veraz, que li, como se estivesse te escutando falar. Parabéns, minha querida! Continua bem assim, apaixonada pelo viver, junto à família amorosa que soubeste formar. Te desejo sempre sucesso e todas as alegrias. Meu abraço vai, levando votos de Feliz aniversário!
Lúcia Mattos
7 de novembro de 2018 @ 23:56
Obrigada minha querida “madrinha de coração”! Escrevi de coração aberto e fico feliz que minha história tenha tocado tantas mulheres! A vida não é fácil, mas estar disposta a aprender, em qualquer tempo, é o que faz a diferença na busca da felicidade. Beijos amoroso!
Maira Ritter
5 de novembro de 2018 @ 06:43
Lúcia, exatamente assim! Me identifiquei com teu texto, pois desde o início do ano quando João Caetano nasceu, resolvi desacelerar e curtir a maternidade. Encarei como umas “férias” mas, na verdade, não eram férias e sim, um também quase ano sabático. Trabalho desde os 18 anos e sempre fui ligada no 220V. Agora aos 40, me permiti curtir este momento maravilhoso com meu gurizinho, e entrei em uma nova rotina, totalmente diferente da minha vida até então. E assim, também descobri muitas coisas. Obrigada por compartilhar este teu lindo texto. Sucesso no novo job! Beijo!
Lúcia Mattos
7 de novembro de 2018 @ 23:54
Puxa, Maira, um retorno como o teu me deixa muito feliz. Escrevi de coração aberto e vi que muitas mulheres se identificaram com a minha história, que na verdade nao é minha, mas de todas nós. Cada uma de nós sabe de si, do seu momento e da melhor hora de fazer escolhas, mas poder parar, prestar atenção ao momento e avaliar as prioridades já é meio caminho andado para as melhores escolhas, não é? Beijo carinhoso.
Sandro macedo
23 de janeiro de 2019 @ 22:58
Parabéns,lúcia.Acompanho teu trabalho e do leonardo desde da década de 90.Imagino o que esta mudança deva ter significado pra vocês.Lindo texto.Tudo de bom nesta nova jornada.
Lúcia Mattos
23 de janeiro de 2019 @ 23:28
Obrigada Sandro pela leitura e comentários! Obrigada pelo carinho.
Ana Lúcia Neves dos Santos
1 de maio de 2020 @ 21:05
Lúcia, como meu ano passado foi confuso, em função do enfarto, guardei tudo para ler este ano, inclusive teus texto, mesmo lendo somente agora, depois da tua volta, é impressionante como consigo te escutar dizendo estas palavras. Acompanhei teu período em São José do Rio Preto, imagino como passastes tuas fases de adaptação, mas, como excelente em tudo que fases te virastes. Parabéns a Valesca que criou e orientou um exímio exemplar. Bjs
Lúcia Mattos
8 de maio de 2021 @ 20:57
Obrigada Ana querida. Importante a gente sempre tentar tirar um aprendizado das coisas que nos acontecem. Neste caso eu fui de coração aberto e aprendi muito. Me descobri em outras coisas e foi uma baita experiencia! Obrigada por estar comigo! <3